Quando se busca a estrada

O sol ardia forte naquela tarde e resolvi buscar abrigo em um dos bancos da rodoviária. Durante certo tempo me ocupei lendo, mas aos poucos passei a observar os meus companheiros de viagem que aguardavam os ônibus encostarem para seguirem seus caminhos. Em um canto não tão longe de mim uma mulher já nos seus 40 anos estava atenta ao seu exemplar da bíblia. Me causou estranheza porque carregava comigo uma edição de “On the Road”, de Jack Kerouac. Enquanto um carrega palavras religiosas o outro levava aquele livro que passou a ser denominado – com óbvia referência – como a “bíblia da geração beat”. Cada um a seu modo inspirou pessoas ao redor do mundo.

É engraçado pensar no que as pessoas procuram se apoiar para poder seguir em frente. Uma palavra, uma frase, um capítulo, um livro. Mas começava a entender esse ciclo. Já dentro do ônibus e mais uma vez seguindo a estrada – aquele longo caminho que separava o trabalho da minha casa – refletia sobre tudo o que tinha lido nos últimos dias. Freneticamente e engolido por um enredo fascinante.

Durante toda a nossa vida somos impulsionados a entrar para um sistema: estudar, escolher uma carreira, estabilizar, casar, ganhar dinheiro, ter filhos, cria-los e se aposentar. Um roteiro pré-definido. O tal do establishment. Um estilo de vida que deve ser perseguido por todos. Estamos tão presos a esse ciclo que deixamos de viver aquilo que acreditamos – se é que acreditamos em algo!

Enquanto o ônibus seguia o seu caminho, o mesmo enfadonho roteiro diário, as paisagens iam se sucedendo. Como é comum no interior de Minas Gerais. Montanhas serpenteadas por rios, separadas por lagos, fazendas, pastos, eucaliptais, blocos de árvores formando breves matas e pequenas cidades. Casebres com homens e mulheres sentados às portas trocando algumas palavras e sempre – sempre mesmo! – uma igreja. Locais em que o tempo passa vagarosamente e as novidades chegam à mesma velocidade.

Quanto mais me entregava aos meus pensamentos mais eu percebia que não me encaixava naquilo tudo. Me sentia como um jornalista sem uma grande história, um fotógrafo de imagens desfocadas, um poeta sem sua musa, um pintor sem sensibilidade, um músico com cordas desafinadas, um escritor sem inspiração. Apenas mais um que aguarda as tardes de domingo para assistir aos programas de auditório. A vida não podia se resumir a essa rotina entediante desses roteiros pré-definidos.

É nesse espírito de inquietude e vontade de descobrir o que se pode encontrar nos mais diferentes lugares que reside a magia de “On the Road”. As palavras de Kerouac e o seu ritmo alucinante te fazem desejar largar toda a falsa sensação de estabilidade e desejo de ascensão social e partir em busca de qualquer coisa a mais do que a nossa rotina diária. Casa-estudo-casa. Casa-trabalho-casa. Nos faz sonhar além. Querer mais. Buscar mais.

Ao saltar do ônibus esperava que os meus devaneios não se perdessem. Se não posso sair e correr todas as estradas, ver o mundo e viver uma nova realidade, que ao menos possa ter coragem suficiente e mudar a rota, virar uma nova esquina e partir por um novo caminho.

P.S.: Publiquei este texto pela primeira vez no Interrogação.

Saudade

Um encontro
Que de tão inesperado
Quase nos faz crer no acaso
E se entregar ao torpor
                       [do amor]

Um encontro
Intenso, ardente, quente
Que transforma minutos em eternidade
Que congela a vida

Um encontro
Na infinidade daquele momento
O transforma em um relacionamento finito?
Marcado para acabar?

Um encontro
Com prazo de validade
Que entre beijos e abraços
Se perde na memória
                   [e morre na saudade]

P.S.: Publiquei este poema pela primeira vez no Interrogação.