Resoluções de botequim

Tem dias que a cabeça simplesmente não desliga. Não há nada o que fazer diante do turbilhão de pensamentos e lembranças. É certo que nesses casos o corpo vai pedir alguns cigarros e algumas doses de uma bebida forte. E era assim que Charles se sentia quando se dirigia ao boteco da esquina.

Era impressionante que ainda frequentava aquele lugar. A cerveja até que tinha um preço justo – assim como a cachaça, o conhaque ou o uísque. E as conversas de balcão até que conseguia ser interessantes às vezes. Mas o dono da espelunca insistia em colocar um sertanejo bem alto pra tocar. E isso é daquelas questões culturais que não valem a pena serem discutidas. É muito esforço despendido a troco de nada.

E pra tornar tudo pior o sertanejo era daqueles chamados de universitário. Se fosse uma moda de viola até que cairia bem. Sobretudo se acompanhado de uma boa dose de cachaça daquelas fabricadas no interior e que a cada trago golpeia o nosso peito com tanta força que nos levam há deixar um pouco os problemas de lado. Mas com certeza seria demais pedir isso.

Ainda assim, Charles sentou-se no balcão e pediu a sua primeira cerveja. A partir daí, as garrafas se sucediam em uma velocidade impressionante. Assim como os cigarros. No velho som do botequim as caixas de som despejavam em alto som uma daquelas terríveis letras:

“Olha eu aqui de novo jogado na mesa 
Um milhão de perguntas, só uma certeza
Vou beber mais uma, pra te esquecer (...)”

Charles, com o olhar o perdido, começava a entender aquele lamento “sertanejo”. A falta que sentia Dela começava a apertar o seu coração. As lembranças felizes se misturavam com as infelizes. E mais um gole, e outro gole, e outro gole, e outro gole... Aos poucos se sentia dentro daquela letra que castigava os seus ouvidos.

“É só eu melhorar, que você sempre aparece (...)” – segue a canção sem dar descanso.

Naquele momento, Charles começava a se sentir incomodado. Um pequeno sentimento de raiva tomava o seu corpo. Não podia aceitar aquela situação: bêbado e embalado por aquela música. Levantou-se decidido a por um fim naquela situação e a nunca perdoar aquela mulher que quase o fez se afeiçoar por uma canção do sertanejo universitário. E pior: estava a um triz de começar a cantar. Mas, decidido, colocou um ponto final nessa triste história.

Sobre cigarros, conhaque e o amor

Elas se beijaram. Ali Charles percebeu que qualquer resquício de esperança havia deixado o seu corpo. Perdera ela definitivamente. A sua pequena de rosto doce e personalidade forte e indomável o deixara de lado em busca de novas aventuras, outros amores e desejos. E aquele beijo espalhava paixão. Enquanto isso Charles permanecia encostado naquele corredor escuro perdido em seus pensamentos.

Ele sentiu toda a esperança esvair do seu coração e deixar apenas um enorme vazio. Uma ausência que o ia engolia de dentro pra fora. Angustiante, sufocante e delirante. Os tocos de cigarro iam se sucedendo no chão e mesmo toda aquela nicotina não era suficiente para aplacar o peso daquele sentimento.

Enrolou um baseado na tentativa de encontrar um pouco de calma em meio à loucura que o dominava. Porém, nesses momentos em que uma angústia profunda atinge o nosso peito uma viagem de erva pode levar por caminhos obscuros. Paranoia. Na qual Charles afundava cada vez mais.

O corredor escuro parecia desabar em sua cabeça. As paredes o apertavam e o chão engolia os seus pés. Tudo ao seu redor parecia se fechar. O ar que respirava parecia lhe sufocar e o seu coração batia tão rápido e forte que parecia que ia lhe escapar. Mas, de repente, tão rápido quanto o desespero que lhe acometera, uma sensação de paz tomou conta de Charles. O vazio sufocante se fora e dera espaço a uma tranqüilidade profunda. O ar gélido daquela noite sumiu em poucos piscares de olhos e o corredor se encheu de uma brisa que o lembrava de uma quente manhã de primavera.

Charles percebeu que aquele momento era um rompimento definitivo com o seu passado. As horas acordados pensando nela, os poemas lamentosos e a sensação de que a qualquer momento ela entraria por sua porta e se atiraria aos seus braços conheceram o seu ponto final. Naquele instante Charles perdera e ganhara. E nisso não havia nada de errado. Deixara no passado o amor mais doce que havia sentido e ainda assim um mundo de possibilidades se abria a sua frente.

Riu de tudo que vivera naquele momento. Aquela situação e todas as conclusões que chegara pareciam um grande clichê. Exatamente com os que vinha transformando em versos. E elas, cobertas de paixão, continuavam a se beijar. Charles acendeu mais um cigarro e saiu à procura de um conhaque – um trago que pudesse encher o coração e clarear as ideias. Sem olhar para trás desceu as escadas pensando: um beijo sempre será libertador.