"Essas palavras que escrevo me protegem da completa loucura"

De menino sempre imaginei mudar o mundo. Fazer uma grande ação em um ato, mudar algo que estivesse errado ou simplesmente inspirar. Ter quem sabe um mundo melhor, um lugar tomado por sorriso e banhado por lágrimas de felicidade – ou até mesmo de saudade, que dói, mas que não deixa de ser um sentimento bonito. Parágrafo poético. Tal qual o sonho de um menino.

Daqueles que todo garoto tem. Ser bombeiro, policial, astronauta, detetive, cowboy... apenas ser. Caminhos que para a maioria permanece apenas nas lembranças de infâncias. Ao lado de memórias como o cheiro de terra molhada que tomava o ar depois de cada chuva e que sempre pedia um rolê de bicicleta. No fim tudo se resume ao desejo de não passar incólume por esse mundo – “mundo, mundo vasto mundo”.

O discurso pode até soar piegas. Mas apenas para aqueles que não construíram mundos medievais ou portos piratas em peças de Lego. Ou disparou flechas em Fortes Apache ou protagonizou tiroteios com Comandos em Ação. Não importa a história sempre haverá o “mocinho” que sai vitorioso. Este definido de maneira arbitrária pelo desejo do garoto.

É certo que tudo isso sempre foi brincadeira de um menino. O mesmo menino que em folhas escondidas guardava poemas. Versos que sempre ao fim rimavam. Rimas tão ricas quanto bobeira com escumadeira. Em termo de versos basta apenas o entendimento que vem do coração.

Aquele menino que em cadernos distribuía textos, histórias imaginárias e mapas de tesouros há muito esquecidos. Porventura o menino cresceu e a imaginação pareceu minar. Pelo menos se tornou mais mundana e não tão afeita em versar sobre o inimaginavelmente fantástico. Apenas realismo transcrito em pautas impressas em papel jornal.


O menino cresceu e fez de sua profissão algo que possa vir a tocar o mundo. Um sonhador nunca deixa de ser um sonhador, mas o que é preciso perceber que por todo esse caminho percorrido algo já mudou: o espírito. Mas e o mundo? Ah meu camarada, esse sim, tá bem mudado!

P.S.: O título dessa postagem é um escrito de Charles Bukowski. E aqui, no Admiral Freebee, deixamos essa homenagem ao velho Buk.

Protagonismo em arcos

A reforma havia chegado ao fim e, se não me falha a memória, era a primeira vez que retornava a um movimento social num espaço marcado pela histórica ocupação popular. Dessa vez em um espaço novo. Novo? A interrogação eclodiu em meus pensamentos no momento em que percebia que nenhuma intervenção sensível havia sido feita ali. Ao mesmo tempo me decepcionava com o que fora feito naquela estrutura de concreto. Sentia falta da arte urbana que um dia habitara aquele espaço. Eita saudosismo!

Ao fundo desfilam clássicos do rap e do funk – um pouco da nossa nova MPB – e entre aqueles que curtiam as batidas e se entregavam à “pista de dança” observo no fundo um pedaço ainda intocado. Antigas pichações ainda se mostravam resistentes ao forçoso novo ali empregado. Contraste entre o passado e presente.

Na minha imaginação passei a enxergar as mais diversas figuras migrando da resistente parede sobre o concreto ainda virgem. Impossível não acreditar que esse será o destino daqueles pilares, logo transformados em telas pelos artistas que transitam pelas ruas da capital mineira. Que assim se faça!

Embaixo dos arcos do já eterno Viaduto do Santa Tereza (assim mesmo, tudo maiúsculo, pois é como devemos tratar grandes personagens) imagino aquele espaço tomado por letras, desenhos, representações, idéias... Se a saudade pode nos trazer certa tristeza, a certeza de que fora erguido um novo espaço a ser ocupado traz alento. E afinal era isso que estava acontecendo.

Festival Erro99, pessoas compartilhando sons, ideias, fotografias e o projeto Giganto já ocupando aquelas paredes. Sim, sim, sim! Aquele espaço segue nosso, segue de quem dele ousar ocupar.

E de lembrar que ocupar levou ao seu fechamento temporário. O Viaduto, sempre como protagonista, abrigou aqueles que descontentes com certos rumos políticos ousaram se organizar e protestar. E assim como nas grandes histórias o protagonista é quem paga pelo arroubo de sonhadores. Assim foi fechado, lacrado e isolado da participação popular, o Viaduto.


Como o concreto insiste em enfrentar as intempéries e até mesmo a vontade dos homens, o Viaduto se abre novamente à população. O belorizontino já provou: ocupação é sinônimo. Assim, tenho certeza logo teremos arcos cheios de vida, cheio de pessoas, cheio de integração. O protagonista, esse sim, sempre ressurge!