Breve conto de esquina

Charles vinha descendo a rua enquanto era castigado pelo sol. Tentava a todo custo desviar dos vários buracos que tinha na calçada. Havia passado inúmeras vezes por aquele caminho, mas a vida tem das suas e por algum motivo que já não lembrava mais tinha deixado de usar aquele trajeto. Assim como não lembrava o porquê de não andar mais por ali. Não fazia a menor noção dos motivos que o levaram àquela antiga rua. São coisas da vida – pensou.

As mesmas coisas da vida que o deixaram cabisbaixo. É engraçado como o nosso cérebro gosta de nos pregar peças. A tarde estava ensolarada e até uma brisa refrescante resolveu aparecer. Até aí tudo ia bem. Muito bem, aliás. Porém, e nessas histórias sempre tem um porém, antigas memórias vieram assombrar Charles. Não que aquela rua tivesse qualquer relação com essas memórias, mas às vezes, sem muita explicação, certos pensamentos resolvem vir à tona. Goste disso ou não.

O cérebro é realmente engraçado. Não nesses momentos em que as nossas lembranças resolvem dar um alô, um nó na garganta e um aperto no coração. Quando isso acontece não é nada agradável. Mas em algum momento ao se lembrar disso perceberá como a nossa cabeça consegue ser bastante traquina – e, sim, há graça nisso. Definitivamente Charles não estava, ainda, em condições de achar aquela situação engraçada.

Era amor. Ou a falta dele que incomodava Charles. A cada passo que dava doces lembranças misturadas a outras não tão boas se sucediam. O passo não apertava, mas sim o coração – que se apequenava. Sentia falta dos beijos do passado e das noites quentes embaixo de um edredom. Sofria de ausência. Ausência daquela mulher que chegara a ocupar espaço tão importante em sua vida. Triste sina para uma tarde tão calorosa.

A caminhada chegou a uma esquina. E a prudência nesses casos pede que se erga a cabeça, observe a rua e evite que um carro o pegue de surpresa. Mas algumas surpresas não podem ser evitadas. E Charles logo reparou em duas pessoas que acabavam de se encontrar naquela mesma esquina. Um oi de cada lado, meia dúzia de palavras trocadas e caminhos distintos tomados.

O homem desceu a rua. No rosto um sorriso bobo e o olhar perdido. E pernas que não obedeciam aos devidos comandos. E assim, trôpego, seguiu o seu caminho. A mulher cruzou com Charles carregando um sorriso calmo e perdido. Daqueles sorrisos que emanam pelos olhos irradiando um brilho inocente.

Ele vinha do supermercado carregado de sacolas. E mesmo com o forte sol se mostrava precavido e empunhava um guarda-chuva. Ela voltava da aula acompanhada de uma pesada mochila. Provavelmente nenhum dos dois reparou em um Charles cabisbaixo que os observava. Provavelmente nenhum dos dois reparou que as rápidas palavras trocadas e os sorrisos que emanavam paixão e carinho tinham sido compartilhados com Charles.


E provavelmente nenhum dos dois aos seguirem seu caminho reparou que já não tinha ali alguém cabisbaixo. Com o coração leve Charles seguiu o seu caminho. Também com um sorriso bobo. Daqueles de canto de boca que a gente tem quando percebe que o amor pode ser encontrado em qualquer lugar. Até mesmo numa esquina.

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