Era
uma tarde quente quando nasci. O sol ardia pela janela e eu, um pequeno bebê,
me esgoelava a chorar no quarto. Ainda me pergunto se pelo tapa que levei do
médico ou pelo susto de ter sido jogado em um mundo tão inóspito. Uma questão
em tanto para os primeiros momentos de vida. Achei mais fácil partir para o
choro do que correr o risco de tomar um posicionamento de maneira superficial.
E dá-lhe lágrimas.
Pra
ser sincero ainda hoje não sei se o médico realmente me deu um tapa. Mas como
esse procedimento é praxe nas boas vindas aos recém nascidos acho plausível
acreditar no ocorrido. Também tenho quase certeza de que não fiz
questionamentos em relação à selvageria do mundo, porém, como não tenho clareza
sobre o que passou pela minha cabeça naquele dia não posso descartar essa
hipótese.
E
já que fui atingido por um arroubo de sinceridade nessas linhas iniciais tenho
que confessar: não sei se aquela tarde fazia sol e muito menos se estava quente
ou não. Mas nasci na Bahia e esse cenário, convenhamos, é bastante possível.
Entre devaneios literários e a minha chegada ao mundo – e aqui tenho que
afirmar que ambas as coisas são um parto – fui registrado Gustavo.
E
isso está ali comprovado: na certidão de nascimento, na carteira de identidade,
no CPF, no registro profissional, na carteira de trabalho, na minha conta
corrente, no cartão de vacinas... ufa! Haja testemunhas! Mas por essas coisas
desse mundão em certo momento a minha pessoa ganhou uma nova marca: Charles.
Mas venho por esta comunicar que não me chamo Charles... mas como a sinceridade
insiste em se manifestar afirmo: bem que gostaria.
Não
que o meu nome me incomode. Pelo contrário. Sustento Gustavo como a um
estandarte. Mas sou obrigado a lembrar das palavras de um certo músico chamado
Jorge Ben Jor que, na música “Charles,
Ajno 45”, entoou: “Charle, Anjo 45 / Protetor dos fracos / E dos oprimidos /
Robin Hood dos morros / rei da malandragem / um homem de verdade / com muita
coragem”. Não que a música seja lisonjeira por inteira, mas esse trecho é de
estufar o peito de alegria. Assim como os versos “Take it Easy my Brother
Charlie” que invocam a paz em pura melodia.
Ou
então lembrar desses pequenos conselhos: “Possua um coração que nunca endurece,
um temperamento que nunca pressiona e um toque que nunca mágoa”. E ter a
constatação de que foram escritos por um tal Charles Dickens. É a mesma sensação
de ao escrever essas linhas vir as seguintes palavras à cabeça: “se não sai de
ti a explodir / apesar de tudo, / não o faças. / a menos que saia sem perguntar
do teu / coração, da tua cabeça, da tua boca / das tuas entranhas, / não o faças”.
Mais uma obra de um Charles, mas dessa vez o Bukowski.
Isso
sem contar Charles que esculpiu ao longo da sua vida a teoria da evolução, que
explica mais facilmente esse nosso espírito animalesco que insistimos em
esconder, mas que deveríamos celebrar em comunhão com a natureza. Ou aquele
outro que em cambalhotas em preto e branco nos mostrou que rir é inteligente –
e que devemos carregar isso sempre com a gente, em nossos rostos, em nossos
gestos, em nossos caminhos.
Não
me chamo Charles... mas bem que gostaria.
E
como isso não é possível carrego o Gustavo, de batismo e identificação, e
abraço o Charles, que veio da camaradagem. E assim me corrijo afirmando: não me
chamo Charles... mas bem que poderia.
Grande Charles. Pra mim sempre foi e sempre será!
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